Descubra o desfile das mordomas em Viana

Agosto chega e Viana do Castelo transforma-se. As ruas enchem-se de fitas e flores, os bombos marcam o compasso, os sinos respondem e o rio parece ouvir o chamamento da cidade. Entre tantas tradições, há um momento que arranca suspiros a residentes e visitantes, um cortejo feminino que faz parar a cidade e abre caminho à memória coletiva do Minho: o desfile das mordomas.

É uma celebração de luxo e devoção, onde o ouro cintila ao sol e o traje fala por si. Quem vê, dificilmente esquece. Quem participa, guarda para sempre.

O que é o desfile e por que mexe com Viana

O desfile das mordomas é um cortejo integrado nas grandes festas de Viana do Castelo dedicadas a Nossa Senhora d’Agonia. Junta centenas de mulheres, geralmente jovens, que desfilam com trajes tradicionais do concelho e carregam ao peito um património de família feito de filigrana, contas, corações e cruzes.

  • É um ato público de fé e de identidade.
  • É também moda ancestral, alfaiataria minuciosa e ourivesaria de excelência.
  • É, acima de tudo, comunidade.

A cidade prepara-se com antecedência. As mordomas são organizadas por freguesias, muitas vezes em fila ordenada, seguindo as bandas e os estandartes. O centro histórico converte-se numa passadeira viva, com varandas cheias e aplausos a compasso.

Quem são as mordomas, afinal

A palavra mordoma tem raízes antigas. Designava mulheres com responsabilidades na vida religiosa local, zeladoras de bens e iniciativas das confrarias. Em Viana, a figura ganhou um brilho particular, associada à festa maior e a uma estética muito específica.

Não é apenas um cargo, é uma imagem. Quem veste o traje de mordoma carrega história, família e a promessa de continuar a tradição. Muitas já vêm de gerações de mordomas, herdando não só peças de ouro, como gestos e saberes.

Uma mordoma não desfila para mostrar riqueza. Desfila para honrar. O ouro, nesse contexto, é ao mesmo tempo devoção e memória, escolhido peça a peça com intenção e carinho.

Os trajes, a seda e a lã que contam a história

No Minho, o traje fala. Cada cor, cada bordado, cada peça de lenço ou algibeira tem um significado. Em Viana do Castelo, no dia do desfile surgem vários trajes, todos com regras próprias e, frequentemente, com soluções de confeção artesanais.

Entre os mais reconhecidos:

  • Traje de mordoma, muitas vezes em preto, rico e cerimonioso, pensado para ressaltar o brilho do ouro.
  • Traje de lavradeira de festa, com cores vivas, lenços bordados, saias rodadas e aventais repletos de motivos florais.
  • Traje de lavradeira de trabalho, mais sóbrio e funcional, que também tem presença, lembrando a origem rural de muito do que se celebra.
  • Traje de noiva de Viana, preto elegante, tecido nobre e acessórios de requinte, próximo do universo simbólico da mordoma.

Os tecidos vão do burel a sedas e brocados, o linho contrasta com veludos, a renda alisa o conjunto. As alfaiatas e bordadeiras locais dão continuidade a técnicas antigas. Não há improviso, há rigor.

Ouro ao peito, coração ao alto

O ouro minhoto, em Viana, tem linguagem própria. Peças grandes e pequenas juntam-se de forma equilibrada para compor um peitoral que se torna assinatura de cada mordoma.

Entre as peças mais vistas:

  • Coração de Viana, rendilhado, com cabeça recortada e filigrana elaborada.
  • Arrecadas, brincos em meia-lua com desenho recortado.
  • Contas de Viana, esferas douradas de tamanho variado, em fios curtos e mais compridos.
  • Cordões e grilhões, correntes de elos apertados ou mais soltos, criando camadas de brilho.
  • Cruzes, medalhas, libras antigas e alfinetes trabalhados.

Há quem conte as peças, há quem conte as histórias. Cada elemento pode ter passado de avó para neta, celebrado um casamento, acompanhado uma promessa. O conjunto final é pessoal e poderoso.

Como se organiza o cortejo

O centro da cidade cria um percurso que muda ligeiramente consoante a edição, mas a essência mantém-se. As mordomas reúnem-se em pontos definidos, integram o cortejo por freguesias ou bairros e seguem ao som de bandas filarmónicas, tocadores e aplausos.

  • O início acontece habitualmente ao final da tarde, aproveitando a luz dourada.
  • O percurso atravessa artérias emblemáticas do centro, com passagem por praças cheias de gente e fachadas floridas.
  • No final, há um momento de encontro, fotografia e convívio que prolonga a celebração.

Quem deseja assistir deve chegar cedo. Os melhores lugares junto às esquinas e nas praças enchem rápido, e uma pequena rua lateral pode guardar o enquadramento mais bonito.

Como vestir, peça a peça

Montar o traje de mordoma é um ritual. Exige horas de preparação, mãos experientes e muito cuidado com encaixes e pesos.

Ordem habitual, em linhas gerais:

  1. Camisa de linho, engomada, com bordados discretos e punhos bem definidos.
  2. Saia e colete do traje, em lã ou tecido nobre, ajustados à medida.
  3. Avental, quando previsto, alinhado sobre a saia, sem torções.
  4. Lenços, no peito e na cabeça, dobrados seguindo os desenhos tradicionais.
  5. Algibeira bordada e colchetes, rematando a linha da anca.
  6. Meias, socos ou chinelas, consoante o traje escolhido.
  7. Ouro, por camadas, começando pelos fios mais juntos ao pescoço, depois contas, cordões, cruzes e corações. Por fim, brincos e alfinetes.

Há regras invisíveis, transmitidas entre mães, filhas e alfaiatas. Não é apenas vestir, é compor.

A melhor forma de aproveitar o desfile

Algumas dicas práticas ajudam a transformar a tarde num momento perfeito.

  • Chegada: ir com duas horas de antecedência evita stress e dá tempo para escolher lugar.
  • Mobilidade: transportes públicos aliviam o trânsito e o estacionamento, o comboio é uma solução confortável.
  • Calçado: ruas de pedra pedem sapatos estáveis.
  • Sol e temperatura: água, chapéu e protetor, principalmente nas primeiras filas.
  • Fotografia: respeitar o espaço das participantes, não usar flash demasiado próximo e evitar cortar a passagem.
  • Crianças: levar um banco dobrável pequeno pode garantir visibilidade sem empurrões.
  • Acessibilidade: informar-se junto do posto de turismo sobre zonas reservadas para pessoas com mobilidade reduzida.

Etiqueta simples faz toda a diferença. Não se toca no ouro, não se interrompe a marcha, não se grita sobre as bandas.

O olhar do fotógrafo atento

O desfile é um convite a grandes planos e retratos íntimos. Sem pressas, a cidade oferece fundadores fotogénicos, luz caprichosa e detalhes que se perdem num piscar de olhos.

  • Retrato: uma objetiva de 50 a 85 mm valoriza rostos e o ouro, mantendo a distância correta.
  • Ambiente: 24 a 35 mm para contexto, incluindo a arquitetura, as bandas e o público.
  • Luz: o final da tarde suaviza sombras e acrescenta calor ao tom do ouro.
  • Composição: procurar linhas diagonais das ruas, molduras naturais de varandas e janelas, jogo entre bordados e pedra antiga.

Pedir licença para um retrato direto mantém o respeito e quase sempre recebe um sorriso de volta.

O calendário alargado e outras atividades

O desfile das mordomas acontece integrado nas grandes festas de agosto, com vários dias de iniciativas. A cidade entra em festa e multiplica-se em sons e sabores:

  • Rusgas e tocatas populares, com concertinas e cavaquinhos.
  • Bandas filarmónicas, marchas e ensaios ao cair da noite.
  • Barraquinhas de artesanato e doçaria, com figas, corações e lenços.
  • Encontros com bordadeiras e ourives, demonstrações de filigrana.
  • Espetáculos de fogo de artifício sobre o rio Lima, que iluminam a ponte e a zona ribeirinha.

Viana abraça quem chega com alegria e disciplina, duas qualidades que caminham lado a lado na festa.

O ouro de Viana e a filigrana que move mãos e gerações

A ourivesaria tradicional tem, em Viana do Castelo, oficinas que mantêm técnicas passadas com rigor. A filigrana exige fio finíssimo, paciência e olho apurado. O resultado é leve e resistente, quase rendado.

Peças emblemáticas e as suas linhas gerais:

  • Coração de Viana, símbolo afetivo da cidade, rendilhado e volumoso.
  • Arrecadas de rainha, brincos largos que balançam com elegância.
  • Contas de Viana, esferas com textura, montadas em fios curtos e justos.
  • Laças e crucifixos trabalhados, muitas vezes combinados com medalhas de devoção.

Comprar direto ao artesão fortalece o tecido económico local e ajuda a preservar saberes. Vários espaços têm certificação e explicam as diferenças entre técnicas.

Tabela de referência dos trajes mais vistos

A diversidade de trajes cria alguma confusão para quem chega pela primeira vez. Este guia rápido ajuda a ler o cortejo com outro olhar.

Traje Cores e tecidos Acessórios principais Ocasião típica
Mordoma Predominância do preto, tecidos nobres como lã e veludo, camisas de linho Ouro abundante, lenço de cabeça, algibeira Cortejo cerimonioso e atos de devoção
Lavradeira de festa Vermelhos, verdes, azuis, bordados florais em linho e lã Avental bordado, lenços coloridos, ouro moderado a intenso Festas e desfiles festivos
Lavradeira de trabalho Tons mais sóbrios, tecidos robustos Avental funcional, lenços simples, pouco ouro Recriação do quotidiano
Noiva de Viana Preto elegante, detalhes finos Ouro requintado, véu ou lenço específico Cerimónias e momentos solenes

As variações entre freguesias e famílias são muitas, parte do encanto está nessa diversidade.

Museus, oficinas e livros para ir mais fundo

A festa vive no presente, mas ganha fôlego quando conhecemos a sua base. Em Viana, há espaços e pessoas que abrem portas.

  • Museu do Traje de Viana do Castelo, com coleções de trajes, documentação e exposições temporárias.
  • Ourivesarias tradicionais, que demonstram filigrana e explicam a origem das peças.
  • Arquivos e bibliotecas locais, onde fotografias antigas mostram como o desfile mudou e ficou igual ao longo das décadas.

Levar um caderno de notas e apontar nomes e termos ajuda a fixar o vocabulário do Minho. Mais tarde, ao rever fotografias, tudo ganha outro sentido.

Segurança, património e continuidade

Ao ver tanto ouro junto, surge sempre a questão da segurança. O desfile demonstra organização e cuidado. As autoridades acompanham, as mordomas preparam-se em grupo e há protocolos discretos que garantem tranquilidade.

As famílias, por sua vez, tratam as peças como aquilo que são, heranças. Inventários, seguros, caixas de guarda e revisões periódicas com ourives dão longevidade ao patrimônio material. O imaterial cresce com a transmissão de saberes, a prática constante, os ensaios e o respeito por regras e licenças.

Em Viana, tradição e prudência caminham lado a lado.

O impacto na cidade, para lá do turismo

Fala-se muitas vezes de visitantes e dormidas. Mas o desfile move cadeias de valor menos visíveis:

  • Costureiras e alfaiatas especializadas.
  • Bordadeiras e rendeiras.
  • Ourives e filigraneiros.
  • Músicos de banda e marcadores de marcha.
  • Decoradores de rua, floristas e técnicos de som e luz.

O calendário da festa é uma âncora para a economia criativa local. As crianças que hoje seguram a mão da mãe na assistência talvez sejam, amanhã, as mordomas que mantêm a cidade unida.

Dicionário rápido para quem está a começar

  • Mordoma: mulher que desfila com traje e ouro, associada a funções ligadas à festa e à comunidade.
  • Coração de Viana: peça de ouro com filigrana em forma de coração, símbolo da cidade.
  • Arrecadas: brincos tradicionais em meia-lua.
  • Contas de Viana: esferas douradas que formam colares.
  • Algibeira: pequeno bolso bordado usado sobre a saia.
  • Rusga: grupo de tocadores e dançarinos tradicionais.

Ler estes termos nas legendas das fotografias torna a experiência mais rica.

Um roteiro simples para planear a visita

  • Verificar o programa oficial das festas com algumas semanas de antecedência.
  • Reservar estadia no centro ou perto da estação para facilitar deslocações.
  • Escolher um dia extra para visitar museus, subir de funicular ao monte e passear junto ao rio.
  • Confirmar a hora do desfile das mordomas e escolher um ponto de observação.
  • Marcar um jantar em tasca da zona histórica para viver a noite minhota.

Se a agenda permitir, vale a pena ficar para ver outros momentos fortes do programa. A cidade tem dias em que parece não dormir.

Pequenos gestos de respeito que fazem diferença

A festa é de todos, mas pertence, antes de mais, a quem a constrói ao longo do ano. É fácil ajudar:

  • Cumprimentar com um sorriso, pedir licença ao fotografar de perto.
  • Evitar subir a muros e monumentos.
  • Recolher o próprio lixo, manter as ruas limpas como se fossem nossas.
  • Comprar local, valorizar quem produz e preserva o que gostamos de ver.

A soma destes cuidados mantém o brilho que tanto admiramos.

Porque o desfile emociona

Há algo de intemporal no passo firme das mordomas. Os trajes pesam, o ouro brilha, os olhos seguem um ponto distante e a música avança. O público silencia por instantes, como se ninguém respirasse, e depois aplaude. Cada freguesia tem o seu momento de glória, cada família reconhece a sua história.

O segredo está nas camadas: devoção, estética, disciplina, comunidade. Há cor e som, mas há também tempo. Tempo que se guarda em objetos, em gestos, em canções. Viana sabe como poucos fazer do passado uma energia para o presente.

Para quem quer ir mais longe, cinco pistas

  • Observar como o lenço é dobrado e preso, é uma arte em si.
  • Notar a ordem e o número dos fios de ouro, muitas vezes há simetria cuidada.
  • Identificar os pontos de bordado no avental e na camisa.
  • Reparar na ligação entre banda e andamento do cortejo, tudo tem batida própria.
  • Perguntar, com respeito, a história de uma peça que chamou a atenção, e ouvir.

Pequenos detalhes dão acesso a um mundo que se partilha melhor ao vivo, na rua, com a cidade por testemunha.

Depois do desfile, a cidade continua

Quando as últimas mordomas passam e a música se afasta, Viana não se esvazia. A conversa prolonga-se nas esplanadas, as fotografias trocam de telemóvel em telemóvel, os artesãos fecham as bancas devagar. Muitas mordomas seguem para reencontrar a família, aliviar o peso do ouro, arrumar o traje com cuidado.

É o momento de passear sem pressa, sentir o vento do Lima, olhar as luzes refletidas na água e pensar no que se viveu. A festa continua nos passos e nos sorrisos. E, sem darmos por isso, começamos a contar os dias até à próxima vez que a cidade parar para ver o brilho das mordomas.

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