Descubra os cortejos e desfiles típicos de Viana do Castelo

Quem chega a Viana do Castelo em agosto sente a cidade a pulsar ao ritmo de bombos e gaitas, a cheirar a maresia e a sal, a brilhar com ouro antigo herdado de avós e bisavós. Os cortejos e desfiles tomam as ruas com uma energia que junta devoção, orgulho e uma estética que só o Minho sabe montar. A cada esquina, um traje à vianesa diferente, um sorriso e uma saudação. A cada largo, um quadro vivo de trabalho, memórias e festa.

O calendário de uma tradição viva

Viana do Castelo celebra todos os anos a sua grande romaria de verão, centrada em meados de agosto e ancorada na devoção a Nossa Senhora da Agonia. Para lá do momento religioso, o programa ganha corpo na rua com uma sequência impressionante de cortejos, desfiles e procissões que envolvem dezenas de freguesias, associações culturais, grupos folclóricos, coletividades ligadas ao mar e centenas de participantes a título individual.

O pulsar coletivo vê-se nos detalhes. Famílias que passam semanas a engomar lenços e aventais. Músicos que afinam bombos e caixas até tarde. Artesãos que reparam corações de filigrana para que brilhem sem falhas. E uma cidade que organiza o trânsito, monta bancadas e dá corpo a uma logística que dá trabalho, mas compensa a cada aplauso.

Desfile da Mordomia

É um dos momentos que mais arranca suspiros. O Desfile da Mordomia coloca centenas de mulheres a caminhar lado a lado, envergando trajes completos à vianesa e exibindo o ouro com que a cidade se identifica há séculos. Há silêncios de respeito quando surgem as mordomas mais velhas, os cânticos a meia voz, a cadência das passadas medidas e um brilho que a luz de agosto multiplica.

O percurso atravessa o coração da cidade e cria um corredor humano de admiração. Quem assiste percebe que cada fita, cada renda e cada peça de ouro tem história e significado, que nada está ali por acaso. É um desfile que afirma a identidade vianense, mas que acolhe quem vem de fora com a mesma generosidade.

Trajes à vianesa: variações e significados

Não existe um único traje à vianesa. Há um léxico de peças, cores e bordados que sinalizam freguesia, momento da vida, ofício e solenidade. Entre os mais reconhecidos:

  • Lavradeira de Areosa: vermelho vivo, saia rodada, colete bordado e avental com motivos florais. Vitalidade e festa.
  • Lavradeira de Santa Marta de Portuzelo: tons que oscilam entre o encarnado e o azul, aplicações finas e lenço muito trabalhado.
  • Traje de Geraz do Lima: cromatismo forte com elementos que evocam o campo e a desfolhada.
  • Traje de Meadela: contrastes mais marcados, detalhes de renda e padrões miúdos.
  • Traje de noiva: sobriedade elegante, muitas vezes em preto com aplicações ricas, colares sobrepostos e coração de Viana em destaque.
  • Traje domingueiro: menos adornado, ideal para missa e dias de guarda, com equilíbrio entre sobriedade e orgulho.
  • Traje de festa: aproxima-se do domingueiro, mas com tecidos mais nobres e bordado mais saliente.
  • Traje de trabalho: fibras robustas, pouca joalharia, lenço bem preso. Pronto para a labuta.
  • Traje da Ribeira: remete para o mar, com peças práticas e detalhes ligados à pesca.

Cada conjunto sinaliza um lugar na comunidade. O corpo transmite a história do dia a dia, da boda e da devoção, do luto e da alegria.

Ouro de Viana: filigrana que conta histórias

O ouro vianense é um texto aberto no peito de quem desfila. Correntes de diferentes malhas, contas, arrecadas, cruzes e, no centro, o coração de Viana, símbolo de fé e afeto. A filigrana local traduz um saber apurado, fruto de horas de trabalho minucioso que passa de mestre para aprendiz.

Há quem conte a vida pelas peças que carrega. Joias de dote, presentes de noivado, promessas pagas, bênçãos recebidas. O brilho é belo, mas é sobretudo memória que caminha.

Cortejo Histórico-Etnográfico

Se o Desfile da Mordomia emociona pela elegância, o Cortejo Histórico-Etnográfico conquista pelo vigor da vida quotidiana reconstituída. A cidade torna-se palco de quadros que representam o trabalho do campo, do mar, dos ofícios tradicionais e dos momentos comunitários que marcam o ano.

Carros de bois, alfaias agrícolas, teares em andamento, pescadores a remendar redes, espadeladas e desfolhadas que animam quem vê. Este cortejo dá palco às freguesias, que preparam verdadeiras cenas teatrais em movimento, com rigor nos figurinos e cuidado nos adereços.

É uma aula aberta sem cátedra, onde o conhecimento passa pela imagem, pelo som, pelo cheiro da broa e do vinho novo. O público acompanha, aplaude e aprende sem dar por isso.

Quadros que costuma ver

  • Vindimas, com cestos às costas, uvas repletas e pisas ritmadas.
  • Sargaço e apanha do pilado na costa, com cangas e vidros nas mãos.
  • Tecelagem, fiar e bordar, com rendas que nascem ao vivo.
  • Remoção de linho e espadelada, sequência fiel da transformação da fibra.
  • Pesca do alto e da ria, redes, cabos, boias e vozes de mar.
  • Feira franca com pregões e bancas repletas de hortaliça, loiça e doçaria.
  • Festas do ano agrícola, com tocares e danças que quebram a rotina do labor.

Procissões no mar e em terra

A devoção tem corpo e tem rota. Em Viana, a fé sai de igreja, passa pelo cais e segue o leito do rio. A procissão em honra de Nossa Senhora da Agonia ganha momento único quando a imagem segue em embarcação engalanada, acompanhada por uma frota de barcos adornados com colchas e bandeiras. O rio Lima transforma-se em via sacra líquida, com apitos, sirenes e um silêncio que aparece quando todos olham a mesma figura.

Em terra, a procissão percorre ruas salpicadas por frontarias enfeitadas e varandas com colchas pendidas. À frente, cruzes e andores, irmandades, grupos musicais e um cortejo de devoção que preenche completamente a malha urbana.

Tapetes de sal: arte efémera na rua

Na madrugada que antecede os grandes momentos, equipas de moradores, escuteiros, coletividades e vizinhos unem-se para desenhar tapetes de sal no Campo da Agonia e noutras zonas de passagem. O sal é tingido de cores vivas e disposto com moldes e perícia, criando figuras florais, âncoras, peixes, ramos de vide, corações e cruzes.

É trabalho de detalhista com prazo curto. O sol nasce e a procissão há de calcar esses desenhos. A beleza vive poucas horas e fica depois na lembrança, nas fotografias e na vontade de repetir no ano seguinte.

Gigantones, Cabeçudos e Zés Pereiras

Sem bombos não há chamada. Os Zés Pereiras entram primeiro, marcando o passo com caixas e bombos que se sentem no esterno e não apenas no ouvido. A cidade acorda com esse compasso e organiza-se ao som da percussão.

Atrás ou à frente surgem os Gigantones e os Cabeçudos. Figuras altas, de madeira e papel, cabeças exageradas que dançam, abanam e brincam com o público. Crianças riem, adultos tiram fotografias e a rua ganha uma dimensão lúdica que equilibra a solenidade dos momentos mais sérios.

Há encontros, revisitas e passagens espontâneas destes grupos ao longo da semana. A sua presença encaixa em qualquer momento, animando becos e praças.

Onde ver melhor e como preparar a visita

Assistir de perto exige algum planeamento. As ruas enchem rápido e o sol de agosto não dá tréguas. Um bom plano ajuda a apreciar sem atropelos.

  • Chegar cedo ao centro para garantir lugar à sombra, sobretudo junto à Praça da República e à Avenida dos Combatentes.
  • Levar água, chapéu e calçado confortável. O piso é maioritariamente de pedra.
  • Respeitar os cordões de segurança e as indicações dos assistentes. Não invadir a via do cortejo.
  • Fotografar com discrição. Pedir licença quando a lente se aproxima de rostos e evitar usar flash muito perto de figuras religiosas.
  • Usar transportes públicos ou estacionar fora do miolo histórico. Há parques e ligações frequentes.
  • Consultar a programação oficial na véspera, já que podem ocorrer ajustes de horários por causa do vento, da maré ou de questões de circulação.

Boas práticas para fotografar

  • Subir um pouco o ponto de vista quando possível, para captar padrões nos trajes e tapetes.
  • Procurar a luz lateral de fim de tarde, que valoriza texturas de renda e filigrana.
  • Fotografar mãos, adereços e detalhes que contam tanto como um plano geral.
  • Reservar tempo para observar sem câmara. O melhor registo também passa pela memória.

Freguesias e grupos protagonistas

O brilho dos cortejos não nasce apenas no centro histórico. Vem de Areosa, Darque, Afife, Carreço, Meadela, Monserrate, Santa Maria Maior e tantas outras freguesias do concelho. Vem dos grupos folclóricos, das associações de pescadores, dos escuteiros, das bandas e fanfarras.

Cada coletivo traz a sua especialidade. Uns dominam a dança. Outros recriam ofícios com rigor. Outros ainda destacam-se pela tecelagem, pelos bordados e pela ourivesaria. Esta diversidade dá densidade aos cortejos e faz com que todos se reconheçam no todo.

Agenda orientativa e resumo em tabela

O melhor é acompanhar a edição de cada ano para horários exatos. Ainda assim, há uma cadência que se repete e ajuda a planear a presença na cidade. O quadro abaixo organiza os momentos principais de forma orientativa.

Evento Quando costuma ocorrer Duração média Clima sonoro e visual Locais recomendados para assistir
Desfile da Mordomia Meados de agosto, tarde 1h30 a 2h Ouro, trajes à vianesa, gaitas e bombos Praça da República, Avenida dos Combatentes
Cortejo Histórico-Etnográfico Fim de semana central, tarde 2h a 3h Quadros vivos, carros de bois, pregões Eixos largos do centro e ruas de ligação
Procissão ao Mar Manhã de maré favorável 1h a 1h30 Barcos engalanados, sirenes, cânticos Marginais do Lima e zona do Campo da Agonia
Procissão em terra Final de tarde 1h30 a 2h Andores, irmandades, recolhimento Ruas históricas com passadeiras e tapetes
Gigantones e Cabeçudos Ao longo da semana Aparições curtas Ritmo solto, humor, dança Praças e cruzamentos do centro
Zés Pereiras Aberturas e convites 10 a 20 min Bombos e caixas a compasso forte Junto às entradas dos trajetos dos cortejos

A esta sequência juntam-se noites de folclore, encontros de tocadores, rusgas que percorrem o centro e espetáculos de música. A cidade vive intensamente cada fim de tarde, estendendo a festa até perto da meia-noite.

O papel do mar e da terra

Viana é cidade de costa e de rio, de campos férteis e de artes do mar. Os cortejos carregam esse duplo ADN. A lavradeira que exibe o avental bordado é descendente de quem tira da terra o sustento. O pescador que conduz o andor no cais vinca a ligação ao mar que protege e desafia.

Este cruzamento vê-se nos símbolos. Âncoras nos tapetes de sal, ramos de espigas nos carros das freguesias, redes e cestos que convivem com teares e alfaias. É uma gramática comum que fala de trabalho e fé, de festa e casa, sem contradição.

Gastronomia que acompanha

Quem assiste precisa de forças. A cidade oferece tascas e restaurantes que servem caldo verde, rojões, pataniscas, bacalhau à minhota, peixe fresco grelhado e doçaria conventual. Doces de gila, bolas de Berlim junto à praia, vinho verde fresco.

É aconselhável reservar ou procurar horários antes ou depois dos picos dos cortejos. Comer bem faz parte do plano e ajuda a ganhar ânimo para aguentar mais horas de rua.

Bastidores e ofícios

Os desfiles mostram um acabamento perfeito que nasce no trabalho de bastidor. Costureiras ajustam saias e coletes, alfaiates tratam de abas e pregas, ourives limpam correntes e substituem fechos, bordadeiras dão os últimos pontos. Há armazéns onde se guardam trajes com etiquetas meticulosas, caixas para joias numeradas e registos de pertença que atravessam gerações.

Ver o resultado final dá gosto. Saber que há oficinas abertas todo o ano a tratar desta herança aumenta o respeito por quem mantém viva a técnica.

Dicas para quem vem com crianças

  • Escolher troços com sombra e bancos próximos.
  • Levar snacks, água e protetor solar.
  • Identificar um ponto de encontro em caso de desencontro.
  • Preparar os mais novos para o som dos bombos, que pode ser intenso.

Com estes cuidados, o encanto dos Gigantones, o colorido dos trajes e a surpresa dos tapetes de sal ficam na memória de forma leve e feliz.

Sustentabilidade e respeito

O sucesso de uma festa popular mede-se também pela forma como cuida do espaço comum. Lixo no sítio certo, respeito pelos cortiços de sal, atenção às fachadas enfeitadas e às janelas ocupadas por moradores. A cidade agradece e recebe melhor quem a trata com delicadeza.

Há iniciativas que promovem materiais reutilizáveis, ajustes de circulação que favorecem a mobilidade suave e brigadas de limpeza prontas a entrar em ação. A colaboração do público é parte desta engrenagem.

Um glossário para seguir o fio

  • Mordoma: mulher que integra confraria ou comissão, figura de relevo no desfile, com traje e ouro completos.
  • Lavradeira: mulher do campo com traje de festa ou de trabalho, bordados e cores fortes.
  • Zés Pereiras: grupos de percussão tradicional que abrem passagens com bombos e caixas.
  • Gigantones: figuras altas com corpo manejado por uma pessoa no interior.
  • Cabeçudos: figuras de cabeça grande, animadas por intérpretes que brincam com o público.
  • Rusga: grupo popular que canta, toca e dança pelas ruas em modo informal.
  • Andor: estrutura onde se transporta uma imagem sagrada.
  • Tapetes de sal: figuras efémeras feitas com sal colorido sobre o piso, pisadas pela procissão.

Como aproveitar ao máximo

  • Ver um pouco de tudo. Um dia dedicado aos trajes e ao ouro, outro às recriações etnográficas, outro ainda às procissões e à noite de rusgas.
  • Reservar uma manhã junto ao rio para a passagem das embarcações, se o programa o incluir.
  • Alternar planos abertos com momentos de detalhe. O conjunto é grandioso, o pormenor é arrebatador.
  • Conversar com quem participa. Um cumprimento e uma pergunta gentil abrem portas para histórias discretas.

Viana do Castelo ergue nos cortejos a sua biografia coletiva. Entre o som dos bombos, o desenho efémero do sal e o brilho antigo do ouro, ganha forma uma cidade que sabe mostrar-se e receber. Quem assiste sente que não viu apenas um desfile. Viu uma comunidade inteira a celebrar aquilo que a faz ser.

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