Descobre os zés pereiras e gigantones em Viana do Castelo

Há sons que ficam na pele. Em Viana do Castelo, quando agosto aquece e o Lima espelha luz sobre a cidade, o compasso grave dos bombos começa a ecoar pelos becos e pelas praças. Logo a seguir vêm as figuras altas, coloridas, de cabeça oscilante, que fazem rir crianças e adultos. São os zés pereiras e os gigantones, símbolos vivos de uma tradição que contagia quem vê, quem ouve e quem participa.

Pode estar a tomar um café na Praça da República, a meio da manhã, quando a primeira batida o apanha de surpresa. O coração acompanha o ritmo, os pés avançam sozinhos, e quando dá por si já está no meio de uma arruada, rodeado por trajes minhotas, lenços bordados, tambores e caras gigantes que piscam por cima da multidão.

A festa está montada. E o melhor é seguir o som.

Zés Pereiras, o pulso que arrasta a cidade

Os conjuntos de zés pereiras são formações de percussão popular, com bombos, caixas e tarolas, por vezes acompanhados de gaitas de foles ou clarins. Em Viana do Castelo, o termo não é apenas um nome, é uma atitude. Ritmo à frente, peito feito, cadência firme, o grupo abre caminho e chama a praça para si.

As origens perdem-se em anúncios à festa, desafios entre vilas, velhas romarias em que o toque do bombo marcava as horas do povo. Hoje continuam a cumprir esse papel de convocatória, percorrendo ruas estreitas ou avenidas largas com arruadas que dão o mote para o dia.

O que mais marca é o equilíbrio entre potência e detalhe. Há chamadas e respostas entre os tocadores, síncopes que levantam os olhos e, de repente, um silêncio curto que faz a baqueta seguinte soar ainda maior. Quando um grupo está afinado, sente-se uma unidade rara, quase telúrica.

Algumas características marcantes:

  • Bombos de grande diâmetro, afinados mais graves, que garantem o corpo do som
  • Caixas e tarolas a enfeitar o pulso com rudimentos rápidos
  • Cadências que alternam marcha, corte e chamada
  • Dinâmicas que vão do sussurro coletivo à vibração plena do couro

Gigantones e cabeçudos, figuras de papelão e graça

A poucos metros da linha de bombos, ergue-se outro espetáculo. Os gigantones, com 3 a 4 metros de altura, vestidos com trajes de inspiração popular, baloiçam por cima das cabeças. Ao lado, os cabeçudos, mais baixos, com grandes cabeças de papelão e expressão exagerada, provocam a plateia com correrias serpenteadas.

O segredo está dentro. Cada gigantone é animado por um portador que o sustenta e conduz, rodando e inclinando a figura de forma a dar vida ao olhar pintado e à boca sorridente. O bailado é simples e eficaz: passos largos, uma volta, uma paragem breve, um aceno feito do alto. A multidão responde com telemóveis no ar e palmas espontâneas.

Os cabeçudos, esses, atacam no detalhe. Aproximam-se, fazem troça afetuosa, brincam com as crianças e posam sem esforço. Não há espetáculo sem eles. Onde passam, abrem clareiras e gargalhadas.

Como nasce um gigantone

A construção de um gigantone é um processo artesanal, feito de paciência e mãos experientes:

  1. Desenho da figura, com traços e cores pensados para leitura à distância
  2. Estrutura leve, em madeira ou cana, que sustenta cabeça e tronco
  3. Cabeça moldada em papel e cola, depois seca e pintada, com verniz a proteger
  4. Vestuário amplo, cortado para esconder o portador e dar balanço à peça
  5. Arnês interno, ajustado ao corpo de quem conduz, para distribuir o peso
  6. Ensaios de equilíbrio, entradas e saídas, voltas controladas e sinais com a música

O resultado final impressiona. As figuras ganham personalidade, contam pequenas histórias, e cada grupo desenvolve o seu estilo próprio, entre o cómico e o cerimonioso.

Viana do Castelo, palco maior da tradição

A cidade respira romaria, com a Nossa Senhora d’Agonia a marcar o calendário no pico do verão. A programação espalha-se por vários dias e envolve toda a cidade, das embarcações no Lima ao brilho do ouro das mordomas, passando pelo cortejo histórico e pelas arruadas que se multiplicam de manhã à noite.

Zés pereiras e gigantones surgem em momentos diferentes, cruzam-se em praças cheias e voltam a encontrar-se à tarde noutro largo qualquer. O centro histórico funciona como coliseu a céu aberto. A sonoridade do granito, as varandas com colchas, as janelas apinhadas de curiosos, tudo contribui para a atmosfera.

Se chegar cedo, encontra ensaios e aquecimentos inesperados. Se ficar até tarde, apanha desafios entre grupos, toques de despedida e passos de gigantone que só se vêem quando a rua já está quase vazia.

O som por dentro: instrumentos e ritmos

A vibração do bombo sente-se na barriga e no passeio. Vale a pena aproximar-se com atenção, para perceber como tudo encaixa.

  • Bombo: pele larga, de couro ou material sintético, malho pesado, batida seca ou aberta conforme o trecho
  • Caixa e tarola: resposta, floreios, ralados que seguram a malha rítmica
  • Gaita de foles: quando aparece, acrescenta cor melódica e faz as voltas ganharem outro brilho
  • Chocalhos e ferrinhos: pequenos efeitos que dão textura e surpresa

Os padrões alternam marcha simples, rufos de chamada, cortes que marcam entradas de gigantones e momentos de clímax em que os bombos disparam em uníssono. Os melhores lances surgem quando o grupo consegue variar a intensidade sem perder a cadência que arrasta o público.

Pequena recomendação: leve tampões auditivos se tem ouvidos sensíveis, sobretudo para crianças. A proximidade aos bombos pode ser intensa, e não perde nada da experiência ao proteger-se.

Quem são, o que fazem, onde brilham

Table: comparação rápida entre zés pereiras e gigantones

Aspeto Zés pereiras Gigantones e cabeçudos
Essência Percussão popular, ritmo e chamada Teatro de rua visual, corpo e caricatura
Composição Bombos, caixas, tarolas, às vezes gaita Estruturas altas, cabeças de papelão, portadores
Função na festa Abrir caminho, animar arruadas, marcar entradas Interagir com o público, provocar sorrisos
Dinâmica Do piano ao fortíssimo, corte e resposta Passos largos, giros, pequenas pantomimas
Melhor ângulo Frente do grupo ou lateral, para ver as mãos Um pouco afastado, para apanhar a altura
Duração típica Arruadas de 10 a 30 minutos, repetidas no dia Saídas curtas e frequentes, com pausas regulares
Interação Batidas de chamada, desafios entre grupos Aproximação direta, poses e brincadeiras
Memória sensorial Gravidade do som no peito e no chão Cores e expressões marcadas nas fotografias

Roteiro prático para viver a festa

Se tem um dia inteiro:

  • Manhã na Praça da República e ruas próximas, onde costumam ocorrer as primeiras arruadas
  • Meio da tarde no Campo da Agonia e frente ribeirinha, com mais espaço para ver gigantones por inteiro
  • Noite entre a praça e o santuário, atento a desafios de zés pereiras que surgem espontaneamente

Se tem pouco tempo:

  • Chegue 30 minutos antes de um desfile principal para garantir lugar
  • Procure esquinas com recuo, que ajudam a ver a altura dos gigantones
  • Siga o som dos bombos por uma ou duas ruas, sem se prender a um só ponto

Para famílias com crianças:

  • Defina um ponto de encontro visível
  • Use proteção auditiva se forem sensíveis ao volume
  • Tenha água e um snack à mão, as pausas nem sempre coincidem com a fome dos miúdos

Etiqueta simples que faz diferença

  • Deixe espaço para as figuras manobrarem, sobretudo nas curvas
  • Evite bloquear a frente dos bombos durante as chamadas
  • Cumprimente os portadores quando descansam, um obrigado vale muito
  • Se fotografar de muito perto, faça-o rápido e afaste-se logo a seguir

Fotografia que conta a história

A altura dos gigantones pede enquadramentos que incluam um pouco de céu ou a fachada dos prédios. O granito de Viana, as varandas decoradas, os toldos das esplanadas, tudo compõe fundos que elevam a imagem.

Algumas ideias simples:

  • Grande angular para apanhar gigantone inteiro e reação do público
  • Velocidade um pouco mais lenta para captar o rasto da batida do bombo
  • Contraluz ao fim da tarde, que recorta as figuras de forma dramática
  • Detalhes de mãos e baquetas, bordados dos trajes, expressão dos cabeçudos

Se gosta de vídeo, capte 10 a 15 segundos por clip, com movimento suave. O ritmo pede cortes curtos, a edição agradece.

Bastidores que o público raramente vê

Depois da saída, os gigantones descansam em pátios e armazéns improvisados. As cabeças alinham-se encostadas à parede, os vestidos arejam, o arnês relaxa. É aqui que se decide se a próxima volta terá um giro extra, se a entrada faz com que a figura incline mais, se aquele aceno resulta melhor de frente ou de perfil.

Nos zés pereiras, a conversa roda sobre toques e sinais. Um novo corte, um reforço de caixa, uma cadência que funcionou e outra que convém guardar para a rua seguinte. A banda trabalha como equipa de alta rotação, mas com coração de associação de bairro. Essa mistura explica a energia que se sente na rua.

Quando ir e como planear

A maior concentração acontece em agosto, durante a grande romaria. Ainda assim, o calendário anual traz outras saídas ligadas a eventos locais, encontros de grupos e convites de coletividades. Ficar atento à agenda municipal e às redes de associações culturais ajuda a não perder boas oportunidades.

Dicas que poupam tempo:

  • Reserve alojamento com antecedência, a cidade enche nos dias grandes
  • Prefira deslocações a pé no centro histórico
  • Leve sapatos confortáveis, vai andar e ficar de pé
  • Tenha sempre um plano B para almoçar, restaurantes populares atingem lotação cedo

Onde a tradição encontra o presente

A força destas manifestações está na sua fidelidade ao gesto popular, mas não vivem fechadas no passado. Há novos materiais nos instrumentos, melhorias no conforto dos arnês, e mesmo pequenas atualizações nos trajes que respeitam a estética tradicional. Os grupos vão incorporando jovens, abrem oficinas, fazem ensaios abertos.

O público também muda. Hoje chegam famílias de vários países, com smartphones e expectativas distintas. A resposta tem sido acolhedora. Viana recebe, explica, partilha e mantém o nível. Essa abertura, a par da exigência interna dos grupos, mantém a fasquia alta.

Pequeno glossário para não se perder

  • Arruada: saída do grupo pelas ruas, sem percurso rígido
  • Chamada: batida ou sequência que indica entrada, paragem ou mudança
  • Cortejo: desfile com ordem definida e horários marcados
  • Mordoma: mulher trajada com ouro e traje minhoto, figura de destaque na romaria
  • Cabeçudo: figura com grande cabeça de papelão, animada por um portador visível
  • Gigantone: figura alta, com estrutura que cobre todo o corpo do portador

Três ideias para viver mais de perto

  • Assistir a um ensaio aberto, quando anunciado, para perceber sinais e dinâmicas
  • Visitar oficinas de artesãos que trabalham papel, madeira e tecido, se houver portas abertas nessa altura
  • Acompanhar um grupo durante uma manhã, mantendo distância respeitosa, para sentir as repetições, os sorrisos e a camaradagem

Histórias que a rua conta

Há sempre um miúdo que se encolhe atrás do pai ao ver o primeiro cabeçudo, e que cinco minutos depois já pede uma fotografia. Há uma senhora que bate o compasso no saco da mercearia enquanto o grupo passa. Há turistas que se juntam de improviso e dão por si a saber distinguir o toque de marcha da chamada.

Os gigantes, do alto, parecem olhar para nós com a memória de muitas festas. A pintura da cara reproduz traços familiares, os bigodes, as tranças, os lenços e as gravatas recuperam imagética local. Nada disto é feito ao acaso. Quando o gigantone se inclina sobre a plateia e o portador dá dois passos largos, nasce um momento que só aquela rua vai ter.

Vantagens de ver de vários pontos

  • Praça da República: coração da cidade, fácil cruzamento de grupos
  • Largo de Camões: mais aberto, boa luz e espaço para gigantones
  • Campo da Agonia: atmosfera ribeirinha, brisa do Lima e descanso possível
  • Ruas secundárias: proximidade e surpresa, ideais para quem prefere menos confusão

Se quiser fotografias sem multidão, procure transversais e travessas onde os grupos passam para mudar de eixo. Um recuo de três metros pode fazer milagres.

Para quem chega pela primeira vez

Viana do Castelo é acolhedora, com centro percorrível a pé, cafés com balcões de conversas e restaurantes que mantêm as receitas que aquecem a barriga. Entre uma arruada e outra, há espaço para visitar o santuário no alto de Santa Luzia, espreitar o mercado ou sentar numa esplanada a ver a cidade acontecer.

E pronto, o som volta a chamar. A batida ecoa, as cabeças grandes despontam ao fundo e o público abre caminho como quem recebe velhos amigos. É este o encanto.

Quando regressar a casa, vai reconhecer o timbre do bombo em qualquer gravação. Vai sorrir ao ver uma fotografia de um gigantone a inclinar-se, com as mãos de alguém estendidas da rua. E vai perceber que não foi só espetáculo, foi um pedaço de cidade a pulsar consigo.

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