O que significa romaria das romarias?

Dizer que algo é a romaria das romarias é muito mais do que uma frase bonita. É um elogio carregado de cultura, fé e orgulho local. No Norte e nas ilhas, mas também na comunicação social e no marketing turístico, a expressão funciona como selo de grandeza e singularidade. O sentido literal é claro: a romaria que, entre tantas, se impõe como referência maior. O sentido simbólico vai mais longe, porque convoca história, devoção, música, gastronomia, economia e uma estética popular inconfundível.

A expressão circula em Portugal há décadas, e encontra paralelos no espaço lusófono. Em Belém do Pará, no Brasil, o Círio de Nazaré é repetidamente apelidado dessa forma por jornais e fiéis. Por cá, várias terras reclamam com brio o título, às vezes a par de outro epíteto ainda mais comum: a rainha das romarias. É um jogo amistoso entre localidades, mas também um retrato fiel da importância destes calendários festivos para a vida coletiva.

O que é, afinal, uma romaria

Romaria é deslocação festiva e devocional a um santuário ou imagem de culto, em data marcada, reunindo fiéis e curiosos. Tem raiz religiosa, mas irradia para a sociabilidade e a economia. Não é apenas procissão, nem apenas festa de arraial. É ambas e algo mais.

Em traços largos, uma romaria conjuga:

  • Percurso religioso com andores, estandartes, confrarias e irmandades
  • Missas, promessas, velas e ex-votos
  • Música popular, bandas filarmónicas e bombos
  • Arraial com comes e bebes, barracas e divertimentos
  • Feiras de artesanato e produtos regionais
  • Foguetório, iluminações e mar de gente

Há romarias paroquiais, outras interconcelhias, e há as que arrastam multidões. Algumas decorrem em plena Quaresma, outras celebram Santos Populares, outras dedicam-se a invocações marianas muito enraizadas. Cada uma com sabor próprio.

O valor da expressão na língua

Dizer romaria das romarias recorre a um padrão muito produtivo no português popular: o X dos X para assinalar supremacia. É a sardinha das sardinhas, o pastel de nata dos pastéis, a romaria das romarias. É uma hipérbole carinhosa, ao mesmo tempo competição simbólica e declaração de amor.

Este uso não pretende um veredito jurídico. É reconhecimento afetivo, repetido de geração em geração, que confere prestígio e centralidade. A expressão faz o que a boa linguagem faz sempre: cria imagens que agarram.

Uma nuance importante. Em muitas terras a romaria principal é conhecida como a rainha das romarias. O epíteto rainha aponta para majestade, imponência e beleza. A forma romaria das romarias sublinha a ideia de cume, de padrão que mede todas as outras. A diferença é fina, mas sente-se no ouvido e no cartaz.

Romaria, procissão, peregrinação e arraial

Para evitar confusões, vale a pena distinguir alguns termos próximos:

Termo Foco principal Movimento Componente festiva Exemplo típico
Romaria Devoção e festa comunitária Sim Forte Senhora d’Agonia, S. Bento da Porta Aberta
Procissão Ato litúrgico em andor e cortejo Sim Residual Procissão do Senhor dos Passos
Peregrinação Caminhada de penitência e promessa Sim Fraca Peregrinos a Fátima
Arraial Convívio popular e mercantil Não Total Santos Populares de bairro

Na prática, as fronteiras são porosas. Uma grande romaria inclui sempre procissões. E quase sempre desagua num arraial que põe a vida em festa.

Onde se usa a expressão em Portugal

A geografia das romarias portuguesas é vasta. O Minho retém a fama, mas Trás-os-Montes, Douro, Beira Alta, Ribatejo, Alentejo, Algarve e ilhas mantêm calendários densos. Quanto à expressão romaria das romarias, aparece sobretudo:

  • Em manchetes e peças jornalísticas que destacam a dimensão e o brilho de um evento
  • Em campanhas municipais e regionais de promoção turística
  • Na fala popular, enquanto elogio espontâneo a uma festa querida

Alguns casos recorrentes:

  • Viana do Castelo. A festa da Senhora d’Agonia é chamada há muito a rainha das romarias, rótulo que saltou para títulos de livros, documentários e cartazes. O uso romaria das romarias também ocorre em textos promocionais, como reforço poético.
  • Gerês. S. Bento da Porta Aberta acolhe um fluxo de fiéis impressionante. Em folhetos e reportagens, leem-se expressões de grandeza que a colocam no topo das romarias do Norte.
  • Açores. O Senhor Santo Cristo dos Milagres, em Ponta Delgada, envolve um mar de promessas e um aparato que toca toda a ilha de São Miguel. O impacto social e mediático alimenta epítetos grandiosos.
  • Nazaré e Peniche. Festas marianas ligadas às comunidades piscatórias geram forte adesão, numa linguagem que por vezes convoca a ideia de romaria maior.

Não existe um órgão que determine a quem pertence o título. Existe sim um coro de vozes que, ano após ano, alimenta estas consagrações.

O que faz uma romaria ganhar estatuto de referência

Os ingredientes que favorecem a aclamação são conhecidos:

  • Antiguidade documentada que dá lastro histórico
  • Centralidade regional e fácil acesso, atraindo gente de várias terras
  • Narrativas fortes de milagres, promessas cumpridas e proteção em tempos difíceis
  • Imagem de culto muito amada, com iconografia marcante
  • Ritualidade rica: cortejos de mordomas, mar de flores, tapetes, barcos engalanados, bênçãos do mar ou do campo
  • Participação massiva e contínua, sem quebras graves de memória
  • Economia associada robusta: alojamento, restauração, comércio ambulante, artistas e bandas
  • Cobertura mediática regular e presença nas redes
  • Capacidade de acolhimento e organização, garantindo segurança e bem-estar

Quando muitos destes fatores convergem, a comunidade tende a dizer com naturalidade que tem nas mãos a romaria das romarias.

Tradição que se reinventa

O calendário festivo rural sofreu impactos com a migração, a secularização e as mudanças do trabalho agrícola. Ainda assim, as romarias não desapareceram. Reinventaram-se. Mantêm a essência devocional, mas integram novos elementos:

  • Palcos com programação musical para públicos alargados
  • Comunicação digital com transmissão em direto
  • Regulamentos de segurança, planos de contingência e restrições a fogo de artifício em períodos de risco
  • Ações de sustentabilidade, reciclagem e redução de plásticos
  • Espaços de acolhimento a pessoas com mobilidade condicionada

O resultado é um equilíbrio entre o antigo e o novo que preserva a alma e melhora a experiência de quem participa.

Participar com respeito e boa disposição

Ir a uma grande romaria pede cuidado prático e sentido de comunidade.

  • Confirmar horários das celebrações e dos cortejos
  • Respeitar os percursos sagrados e as indicações das autoridades e das confrarias
  • Evitar empurrões em zonas de maior adensamento, sobretudo junto aos andores
  • Vestir com simplicidade durante os atos religiosos
  • Se levar crianças, combinar pontos de encontro e identificar-lhes o contacto
  • Reduzir ruído e fotografias na igreja, salvo quando expressamente permitido
  • Apoiar o comércio local e experimentar a gastronomia da terra
  • Levar saco para o lixo e deixar o espaço como foi encontrado

A festa é mais bonita quando todos contribuem para que decorra em harmonia.

Dois retratos que ajudam a perceber o epíteto

Senhora d’Agonia, Viana do Castelo

Viana praticamente dispensa apresentações no que toca a romarias. A festa em honra de Nossa Senhora d’Agonia combina devoção mariana, cultura marítima e uma estética minhota que corre mundo. Mordomas com trajes riquíssimos, ouro de família em camadas, tapetes de sal, desfiles etnográficos, barcos engalanados no Lima, fogo de artifício coreografado e o brilho das filarmónicas colam-se ao imaginário coletivo.

O rótulo mais antigo e repetido é rainha das romarias, expressão consolidada na imprensa e na bibliografia. Ainda assim, a formulação romaria das romarias aparece por vezes em textos promocionais, sublinhando a ideia de que Viana serve de referência para a noção de romaria minhota por excelência. O grau de organização, a herança material e imaterial e a fidelidade dos vianenses à sua Senhora reforçam essa perceção.

Senhor Santo Cristo dos Milagres, Ponta Delgada

Nos Açores, o Senhor Santo Cristo ocupa um lugar singular. O convento da Esperança torna-se epicentro de uma cidade inteira que se move ao ritmo das promessas, das velas e dos cânticos. O andor do Ecce Homo percorre ruas ornamentadas a flores, com portais abertos e janelas por onde saem lenços e lágrimas. A diáspora açoriana volta à ilha, hotéis esgotam, as companhias reforçam voos.

Há quem quebre a rotina do arquipélago para marcar presença ano após ano. A intensidade emocional e a escala do cortejo, aliadas à força da narrativa histórica, levam a imprensa e a comunidade a tratar esta festa como referência maior no calendário insular. A expressão romaria das romarias, quando aplicada, aponta para a centralidade do evento na identidade micaelense.

A expressão no discurso público e no marketing

Festas com grande projeção não vivem apenas de tradição. Têm equipas e parcerias que trabalham imagem, comunicação e captação de visitantes. Títulos como romaria das romarias, rainha das romarias ou maior romaria do país surgem em:

  • Cartazes oficiais e brochuras turísticas
  • Slogans de campanhas regionais
  • Reportagens televisivas e especiais de imprensa
  • Peças radiofónicas e podcasts
  • Publicações das autarquias nas redes sociais

A poética publicitária bebe da linguagem popular, e a linguagem popular acolhe a repetição mediática. O ciclo reforça a aura em torno de certas datas.

Frases e termos aparentados

A riqueza expressiva em torno das festas faz nascer muitos epítetos. Alguns dos mais ouvidos:

  • Rainha das romarias. Atribuído tipicamente à Senhora d’Agonia em Viana.
  • A maior do Norte. Empregado em cartazes e notícias para reforçar escala.
  • A mais antiga. Reivindicação baseada em registos paroquiais ou crónicas municipais.
  • Terra de romeiros. Expressão de identidade local ligada à devoção e à hospitalidade.
  • Promessa paga. Fórmula que traduz a relação íntima entre fé e ação.

No léxico do peregrino, convém ainda distinguir romeiro e peregrino. O primeiro associa-se a rota local, ligada a uma imagem de culto. O segundo remete para caminhos longos, por vezes internacionais, como a Santiago de Compostela. Na prática, há muita mistura.

Pequeno calendário de romarias em Portugal

Datas indicativas e sujeitas a alteração. Vale sempre confirmar no programa oficial.

Romaria Localidade Mês habitual Alcunha ou nota distintiva
Nossa Senhora d’Agonia Viana do Castelo Agosto Rainha das romarias
S. Bento da Porta Aberta Terras de Bouro, Gerês Agosto Grande afluência do Norte
Senhor Santo Cristo dos Milagres Ponta Delgada, São Miguel Maio Devoção intensa, diáspora açoriana presente
Nossa Senhora da Peneda Arcos de Valdevez Setembro Santuário serrano, ambiente singular
S. Bartolomeu Ponte da Barca Agosto Danças e tradições ribeirinhas
Nossa Senhora da Nazaré Sítio da Nazaré Setembro Ligação histórica ao mar
Bom Jesus e Semana Santa Braga Março ou Abril Procissões emblemáticas
Senhor de Matosinhos Matosinhos Maio Feira, andores e arte sacra
Nossa Senhora dos Remédios Lamego Setembro Escadório monumental e cortejos

Este quadro não esgota o mapa. Em cada distrito há romarias de forte vitalidade e histórias de devoção que merecem atenção. Muitas freguesias mantêm datas que, embora menos mediáticas, sustentam a vida comunitária com igual força.

Como se forma uma memória coletiva

A expressão romaria das romarias só faz sentido porque a memória coletiva precisa de marcos. Anos de infância, cheiro a manjerico, primeiro namoro no arraial, promessa cumprida na dor. A repetição dos gestos ano após ano transforma a festa num relógio do tempo social. A escola fecha, o comércio ajusta horários, os emigrantes regressam, os músicos reservam a data. O calendário civil curva-se ao calendário devocional.

Há ainda um motivo identitário. Em regiões onde a economia foi dura e a emigração maciça, afirmar que a terra tem a romaria das romarias é uma maneira de dizer: somos pequenos, mas fazemos grande. É cultura em estado puro a fortalecer autoestima e pertença.

Perguntas práticas que surgem muitas vezes

  • A expressão é oficial? Não. É popular e promocional.
  • Quem decide qual é a romaria das romarias? Ninguém em particular. A opinião pública, a escala do evento e a tradição consolidam o uso.
  • Pode haver várias romarias a reivindicar o título? Sim. E isso não retira valor a nenhuma.
  • A devoção perde-se com a dimensão turística? Depende da comunidade e da organização. Muitos casos mostram equilíbrio saudável.
  • Há romarias fora do verão com igual intensidade? Sim. O Senhor Santo Cristo em maio, e várias festas pascais e quaresmais têm forte impacto.

Uma certeza atravessa todas as respostas. As romarias são mais do que um dia no calendário. São linguagem, memória, arte popular e fé. Quando alguém diz que uma festa é a romaria das romarias, está a reconhecer tudo isto de uma assentada só. E a convidar-nos a ir ver com os nossos próprios olhos.

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